A alegria da Vida Consagrada
O título proposto para este artigo me remeteu a duas afirmações do Papa Francisco presentes na Exortação Apostólica ChristusVivit e gostaria de conduzir minha reflexão a partir destes pensamentos que me provocam.
Ir. Clotilde Prates de Azevedo, ap[1]
O título proposto para este artigo me remeteu a duas afirmações do Papa Francisco presentes na Exortação Apostólica ChristusVivit e gostaria de conduzir minha reflexão a partir destes pensamentos que me provocam.
A primeira afirmação encontra-se no número 107 da Exortação: “Não deixeis que te roubem a esperança e a alegria, porque teu ser importa mais que qualquer coisa. […] Podes chegar a ser o que Deus, teu Criador, sabe que és, se reconheces o muito a que és chamado”.
Que alegria é esta? De onde ela vem? Para algo ser roubado é necessário que seja valioso e importante.
A afirmação de Francisco não faz pensar que a alegria, a qual se refere, esteja vinculada a um sentimento/emoção resultante das coisas (bens materiais, títulos, honrarias, entre outros) que foram sendo adquiridas ao longo da vida ou por momentos/acontecimentos prazerosos que a pessoa experimenta. É claro que as experiências prazerosas fazem parte e são importantes na dinâmica do viver, mas elas tendem a serem momentâneas e dependentes dos acontecimentos ou das pessoas, algumas vezes permanecem na superficialidade.
Em sua fala, o Papa remete a uma alegria que vai mais fundo e está vinculada ao ser: chegar a ser o que Deus sabe que a pessoa é, no sentido mais profundo da Sabedoria. Para descobri-la é necessário entrar na dinâmica vocacional, reconhecer o muito a que se é chamado, em um discernimento contínuo sobre a qual chamado (convite) se está dizendo sim.
O tema sobre a alegria de ser consagrado/a está intimamente ligado a esta dinâmica vocacional e discernimento.
A Vida Consagrada nas suas mais variadas formas, Vida Monástica; Ordem das Virgens, Eremitas, Viúvas; Vida Contemplativa, vida Religiosa Apostólica; Institutos Seculares; Sociedades de Vida Apostólica; Novas Formas de Vida Consagrada (Vita Consecrata 6 a 12) são um dom de Deus para a Igreja e para o mundo. Há um olhar meramente humano, parece ser loucura. No entanto, só é possível compreender o sentido da Vida Consagra na perspectiva da gratuidade, do serviço e da doação pela causa do Reino de Deus, que se traduz na paixão por Cristo e pela humanidade.
A missão da Vida Consagrada é ser sinal visível de um modo de vida mais aproximado ao sonho do Criador sobre suas criaturas.
O consagrado (a) é chamado (a) a experimentar e viver a alegria de ser memória. Memória do sonho, do rosto, da presença do Criador no mundo e do verdadeiro e autêntico destino da pessoa humana. Como afirma o Ir. Inácio Nestor Etges (Irmãos Maristas): “Ser testemunha viva e vibrante daquilo que de fato é Absoluto (profecia, como anúncio) e relativizar o que é proposto como absoluto pelo mundo (profecia, como denúncia). Mostrar que o absoluto do mundo é provisório e transitório e que existe um ‘Outro Absoluto’, que é o ‘Primado do Totalmente Outro’. Em outras palavras reestabelecer ou ao menos mostrar a verdadeira ordem, na desordem que a criatura criou”.
Irmã Ana Roy (Irmãs Auxiliares do Sacerdócio) define a Vida Religiosa, mas podemos dizer também a Vida Consagrada como uma aventura de amor no seguimento de Jesus. Segundo Ir. Ana, o que caracteriza a escolha feita é: “Desejo de seguir a Jesus, assumindo as mesmas opções que Ele nas grandes decisões que marcam sua vida toda e significam um amor radical. Jesus vive no celibato livremente, nós escolhemos vivê-lo com Ele. Se todos os cristãos devem segui-lo, todos não são obrigados a escolher o celibato como caminho. Tal opção é reservada aos que respondem a um convite especial, que não se prevalece de favor especial, pelo contrário, inclui a possibilidade de viver uma solidariedade e fraternidade mais ampla. […] Escolher o celibato, para amar, significa que a sexualidade humana, apesar dos condicionamentos que pesam sobre ela, é o lugar de exercício de muita liberdade. Sendo assim, a Vida Consagrada livre, disponível, comunitária manifesta o Amor de Deus para a Humanidade, o Primeiro Amor. Mas a resposta pessoal da(o) religiosa(o) a este Amor, sempre esboçado, não se reduz a um discurso, mas se realiza em atos. A exigência deste amor do próximo, a sua qualidade é a única que permite e mantêm uma saída de si necessária à experiência do impossível. Ela nos convoca ao que é impossível humanamente, sem a força de Deus. Voltar ao Primeiro Amor é mergulhar na paixão de Deus por tudo que existe e que vive. Esse tudo está grávido de muitas potencialidades aparentes tornando-se possibilidades de Deus. Essa convicção permite entrar em diálogo com todo o universo, aproximar-nos daqueles que estão procurando encontrar um sentido para sua própria vida. Permite-nos contemplar todo ser humano, desde sempre vocacionado ao encontro com Deus, pronto e apto a entender a proposta de amor salvador. Voltar ao Primeiro Amor é esperar e preparar o futuro da presença de Deus no coração de cada presença humana”.
É a partir desta experiência de apaixonamento que o(a) consagrado(a) mergulha na aventura do seguimento de Jesus Cristo e descobre a alegria de ser memória do Amor em meio as periferias geográficas ou existenciais de nosso mundo, ou, como afirmava e viveu Dom Pedro Casaldáliga: “Na dúvida ficar sempre do lado dos pobres”.
Esta alegria ninguém pode roubar. Nem mesmo a “Tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo, a espada (Rm 8,35)”, pois, “Em tudo isto somos mais que vencedores, graças àquele que nos amou (Rm 8,37)”.
É a partir desta perspectiva de alegria que encontra sentido a provocação com a qual desejo concluir esta breve reflexão: “No discernimento de uma vocação, não se deve excluir a possibilidade de se consagrar a Deus no sacerdócio, na vida religiosa ou em outras formas de consagração. Por que excluir isso? Podes ter a certeza
[1] Religiosa pertencente ao Instituto Nossa Senhora Rainha dos Apóstolos para as Vocações (Irmãs Apostolinas) que tem como carisma “doar e consumir a vida pelas vocações”. Bacharel e Mestre em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção. Atua como Assessora Executiva Nacional do Setor Juventudes na Conferência dos Religiosos do Brasil.a de que, se reconheceres um chamado de Deus e o seguires, será isso que dará plenitude a tua vida (CV 276)”.
Fonte: https://crbnacional.org.br/a-alegria-da-vida-consagrada/
Comunicação CRB – agosto 14, 2020 – 12:04pm